Leptina e o gene da Obesidade

LeptinaA leptina é um hormônio que age no Sistema Nervoso Central, em particular no hipotálamo, inibindo o consumo alimentar em longo prazo e estimulando o gasto energético(2, 3). Vários trabalhos têm demonstrado uma relação de tal hormônio com diferentes tipos, intensidades e volumes de exercício físico(4-6). Portanto, este trabalho tem como objetivo revisar o conhecimento atual dos efeitos do exercício físico e/ou treinamento físico sobre os níveis de leptina.

Estrutura, síntese e mecanismos de ação

A leptina é um produto do gene ob, indutor de obesidade e diabetes em camundongos, que somente ficou conhecido em 1994, quando foi isolado e clonado. Em camundongos ob/ob, duas mutações separadas do gene ob, resulta ou em um códon prematuramente parado ou na ausência do RNAm do ob. Assim, sem leptina, os camundongos comem excessivamente, resultando em obesidade(7-9) (Figura 1).


 
camundongos


Figura 1. Camundongos ob/ob com deficiência genética de leptina tratados com solução salina (esquerda) ou com leptina (direita). A obesidade é tratada no animal com reposição de leptina (adaptado de Broberger, 2005).

Esta citocina é uma pequena proteína com 167 aminoácidos e massa molecular de 16 KDa, que está presente no plasma de camundongos e humanos. Níveis plasmáticos de leptina aumentam com o ganho de peso e diminuem com a perda(10). É produzida principalmente por diferentes adipócitos, embora possa ser produzida por outros tecidos como: estômago, músculo esquelético, fígado, coração, glândulas mamárias e placenta(1, 2). Em outro tipo de camundongos obesos mutantes db/db, foi verificada deficiência dos receptores da leptina, apesar de demonstrar quadro diabético, um aumento da expressão do gene ob e dos níveis plasmáticos da leptina. Quando leptina foi injetada em camundongos ob/ob, estes diminuiram o peso corporal, indicando uma diminuição do consumo alimentar e aumento do gasto energético. Contrariamente, os camundongos db/db quando administradas injeções de leptina, não apresentaram alterações no peso corporal ou consumo alimentar.

Contudo, estudos realizados em humanos não demonstraram resultados favoráveis, onde poucos obesos responderam a uma redução de massa adiposa corporal com a injeção de leptina. Talvez uma resposta para isto seja o envolvimento de outros mecanismos, tais como: defeitos nos locais de sinalização ou defeitos no transporte pela barreira hematoencefálica(8).

A leptina age em locais específicos no SNC, em particular nos núcleos arqueado (ARC), ventromedial e dorsomedial do hipotálamo, inibindo o consumo alimentar e estimulando o gasto energético. Essas regiões no hipotálamo contêm dois tipos de neuropeptídeos com ações opostas, dependendo dos níveis de leptina. A ativação do primeiro tipo, denominados neurônios orexígenos ocorre com níveis baixos de leptina e promove a síntese e liberação do neuropeptídeo Y (NPY) e do peptídeo relacionado à proteína Agouti (AgRP), levando ao estímulo do apetite e redução da termogênese.
A ativação do segundo tipo, denominados anorexígenos, ocorre com níveis altos de leptina e liberam hormônios estimulante dos melanócitos α (α-MSH), produzido a partir do precursor pró-opiomelanocortina (POMC), hormônio liberador da corticotrofina (CRH) e o peptídeo transcrito regulado por cocaína e anfetamina (CART), levando á diminuição do estímulo do apetite e aumento da termogênese(7, 11-13). Esses neurônios estão conectados com outros no núcleo do trato solitário (NTS), que por sua vez transmitem os sinais para o corpo(7, 14) (Figura 2).

 

cérebro


Figura 2. Centros de comando do apetite. O aumento dos níveis de leptina estimula a produção de hormônios peptídeos anorexigênicos (POMC/CART) e inibe os neurônios orexígenos (AgRP/NPY), resultando em diminuição do apetite e aumento do metabolismo.

Vale ressaltar que o aumento da termogênese deve-se em parte à síntese elevada de uma proteína desacopladora (UCP-1) encontrada na membrana mitocondrial interna do tecido adiposo marrom na infância humana, como também em outros mamíferos. Essa proteína fornece uma via alternativa para os prótons reentrarem na matriz mitocondrial da célula adiposa marrom sem passarem pelo complexo da ATP sintase, permitindo a oxidação contínua de metabólitos como ácidos graxos do tecido adiposo sem a síntese de ATP, mas gerando calor, o que levaria a um aquecimento corporal e aumento do gasto energético(8, 15, 16).

A leptina estimula a síntese da UCP-1 pela ativação de neurônios simpáticos que se originam no hipotálamo, promovendo uma liberação de noradrenalina que atua em receptores β3-adrenérgicos nos adipócitos, estimulando a expressão do gene UCP. A hipótese de que uma estimulação inadequada desse adipócito poderia levar á obesidade ganhou interesse recentemente, quando foi descrito que anomalias genéticas da UCP-1 ou dos receptores β3-adrenérgicos poderiam estar associados com a obesidade humana. Recentemente, a descoberta de UCPs homólogos como UCP-2, UCP-3, UCP-4 e UCP-5, alimentaram ainda mais a pesquisa relacionando essas proteínas com a termogênese e obesidade. Porém, os dados não são conclusivos para afirmar tais relações(8, 15). Na verdade, a leptina desencadeia uma cascata de eventos regulatórios pela interação com seu receptor, denominado ObRs, pela ativação da janus quinase - transdutoras do sinal e ativadoras da transcrição, denominado mecanismo JAK-STAT. Este evento altera os níveis de vários hormônios que inibem ou estimulam o comportamento alimentar e o gasto de energia(14, 17, 18).

Além da leptina, a insulina também é reconhecida como um hormônio capaz de auxiliar a regulação do apetite. Atuando em receptores no hipotálamo, pode regular a fome(7, 19).

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